Brasília, 14 de setembro de 2009.
Ao Excelentíssimo Sr. Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
A Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação em Civil (Fentac/CUT) e seus sindicatos filiados, através deste documento, manifestam perante Vossa Excelência suas considerações a cerca das medidas encaminhadas pela presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Solange Vieira, visando a desnacionalização da aviação comercial brasileira e da administração da infraestrutura aeroportuária do país.
Os sindicatos cutistas, alguns com quase setenta anos de trajetória, vêm há muitas décadas defendendo a criação de um marco regulatório para o setor aéreo. Uma política para a aviação nacional à altura do nosso país e em defesa de sua soberania. Uma legislação moderna, capaz de criar um ambiente sadio para o surgimento, a manutenção e o crescimento das empresas aéreas brasileiras e dos postos de trabalho.
As entidades também defenderam, desde a Constituinte de 1988, a desmilitarização do Departamento de Aviação Civil (DAC), para que o órgão regulador e fiscalizador do setor fosse gerido de forma mais democrática, a exemplo do que ocorre em outros países desenvolvidos. Essa demanda foi contemplada pelo governo Lula, com a criação da Anac, em 2005.
As políticas para o setor
Em fevereiro de 2009, o governo promulgou o decreto que estabelece a Política Nacional de Aviação Civil (PNAC), formulada pelo Conselho de Aviação Civil (CONAC), a ser implementada pela Anac, Infraero e órgãos vinculados ao Ministério da Defesa.
Gostaríamos de dizer que as perspectivas para o setor, desta forma, não poderiam ser melhores. Contudo, uma verdadeira inversão de prioridades e papéis tem transformado todos esses avanços em um precipício para onde caminha a aviação civil brasileira.
O motivo é o fato de a Anac ter assumido um papel de formuladora de políticas, que deveria ser exclusivo do CONAC, composto por várias pastas do governo, em detrimento da fiscalização do setor aéreo que está, sob vários aspectos, abandonada.
Autorizada em suas iniciativas pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, a Anac desrespeita a legislação vigente, impondo de forma arbitrária e antidemocrática regras que levam à abertura total e irrestrita deste mercado – transporte aéreo de passageiros, cargas e administração de aeroportos – ao capital internacional, pondo em risco uma cadeia produtiva que abriga mais de cem mil trabalhadores.
Uma trajetória de perdas na aviação
O atraso na definição de uma política para o setor de aviação civil resultou em grandes prejuízos para a nação e os trabalhadores. O fim das operações da velha Varig significou para o país a perda da maioria dos voos internacionais operados por companhias brasileiras. Perdemos espaço e divisas, e hoje a maioria absoluta do transporte aéreo internacional no Brasil é realizada por empresas estrangeiras, tendo restado apenas poucas rotas operadas pela TAM e GOL.
Além disso, o fim das operações da Transbrasil, Varig, Vasp, RioSul, Nordeste, BRA resultou na demissão de milhares de aeronautas e aeroviários e num rearranjo do setor aéreo, no qual TAM e GOL assumiram as duas primeiras posições, em vantagem absoluta em relação às demais companhias, dominando mais de 90% do mercado. Parte dos empregos, felizmente, foram recuperados com o grande crescimento atingido pelo setor, nos últimos anos, e as novas vagas geradas pelas duas companhias.
Contudo, nem esta situação de duopólio dá forças suficientes para a TAM e a GOL enfrentarem a concorrência das empresas estrangeiras, e a hipótese é ainda mais trágica para as empresas menores, caso seja permitida a exploração de voos domésticos e regionais no Brasil por empresas estrangeiras (direito de cabotagem), em discussão no Senado, e nada seja feito para frear o processo de liberdade tarifária iniciado pela Anac. Estamos falando do fim das empresas brasileiras e de seus empregos, em um curto espaço de tempo.
Cabotagem
A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado acaba de aprovar projeto de lei que revoga o art. 216 do Código Brasileiro de Aeronáutica, anulando qualquer restrição à aviação doméstica para empresas estrangeiras. O projeto está agora na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania e, recentemente, esta parte do projeto foi vetada. Contudo, se o veto for retirado, teremos a implantação da cabotagem pura na aviação brasileira.
A cabotagem pura não é aceita em lugar algum do mundo. Recentemente, no Acordo de Céus Abertos realizado entre Estados Unidos e a CE, nenhum dos dois lados aceitou abrir seus mercados. No Brasil, o direito de cabotagem significará a exploração das melhores rotas por empresas estrangeiras e, com isso, a concorrência predatória, já que o custo de seus voos estará coberto pelas receitas obtidas com os trechos internacionais.
Com centenas de aeronaves estrangeiras chegando ao país todos os dias, dá para imaginar o estrago que irá ocorrer nas finanças das empresas brasileiras e irá se refletir nos empregos existentes. Hoje, temos mais de 40 mil trabalhadores diretamente empregados na aviação brasileira, e as estrangeiras não contratarão brasileiros apenas para operar os trechos domésticos. Também não valerá o princípio da reciprocidade, já que, graças às medidas da Anac, em pouco tempo não veremos mais empresas brasileiras operando voos de longo curso.
Em janeiro de 2002, Vossa Excelência publicou artigo, no jornal Gazeta Mercantil, intitulado “Morte anunciada da aviação brasileira”, no qual afirmou que, devido às políticas do presidente Fernando Henrique Cardoso, as “empresas aéreas nacionais estão falindo, milhares de trabalhadores continuam perdendo seus postos de trabalho, divisas estrangeiras deixam de entrar no Brasil e o país perde cada vez mais capacidade competitiva”. O Sr. terminou o artigo perguntando ao então presidente “até quando” isso iria acontecer. Mas hoje, é exatamente isso que está acontecendo com o apoio de setores do seu governo.
Liberdade Tarifária
A legislação sobre liberdade tarifária no setor de aviação é clara quando estabelece uma série de prerrogativas que devem ser assumidas pelo governo brasileiro a fim de dar condições de concorrência às empresas nacionais.
A liberdade tarifária nos voos internacionais, implementada pela Anac, permitirá às companhias dos Estados Unidos e Europa praticar qualquer preço, tanto no transporte de passageiros, quanto no de carga, em poucos meses, sem que nenhuma dessas condições estejam garantidas.
O Brasil tem um grande potencial no setor aéreo, mas ainda possui um mercado muito frágil em relação a outras potências do mundo. As diferenças são imensas em vários aspectos desta comparação. As companhias estrangeiras, por exemplo, com grande frequência, quando encontram-se em dificuldades, são amparadas por seus governos. Além disso, sofrem menor carga tributária. Nossa frota é muito menor, nossos impostos mais elevados, nossa importância como mercado, em termos de custos gerais, tem impacto insignificante para as maiores companhias aéreas do mundo. Elas têm condições de praticar preços irrisórios, anular a concorrência interna e dominar nosso mercado, tanto doméstico quanto internacional, para depois praticar os preços que lhes convierem.
Os trabalhadores do setor aéreo sempre foram favoráveis a políticas que representassem a democratização deste transporte. Todavia, sem condições mínimas que garantam a capacidade competitiva das empresas nacionais, a liberdade tarifária defendida e imposta pela Anac é lesiva à nação e nos coloca na eminência da derrocada das empresas brasileiras. Estamos diante de uma tragédia anunciada, um desastre social. O Brasil está prestes a perder sua soberania em um setor mais que estratégico.
O projeto neoliberal da Anac
Para os trabalhadores, os desafios que se colocam para o setor aéreo brasileiro estão muito claros. Para a direção da Anac, a aviação nacional não é estratégica e pode ser entregue ao capital estrangeiro privado. A presidente da Anac, Solange Vieira, apoiada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, vem implementando com voracidade um projeto 100% neoliberal, no seio do governo Lula. O assunto pode ser polêmico, mas deveria constranger a todos os companheiros(as) eleitos para gestionar um projeto democrático e popular para o nosso país.
O entreguismo de nossas riquezas, nossa infraestrutura, soberania e patrimônio é inequívoco e humilhante para a nação. Os trabalhadores do setor aéreo não assistem esta “armação” calados, mas até o momento têm esperanças de que o governo assuma seu compromisso e dê um basta neste processo, que é defendido com argumentos – necessidade de aumento de oferta, da concorrência, da qualidade dos serviços prestados, da eficiência – mas contraditórios.
Ao que tudo indica, o setor cresce a passos largos, as tarifas diminuem, há excelência nos serviços prestados pelas companhias, o Brasil é referência no transporte aéreo em nível internacional. Para que então “quebrar” as empresas brasileiras? Não é o Estado, através de suas estatais e da Anac, capaz de fiscalizar e corrigir quaisquer problemas que os usuários venham a enfrentar e garantir o crescimento deste mercado?
Será que o transporte aéreo, em nome da democratização do seu acesso, precisa ser entregue ao capital estrangeiro para ficar mais barato? Serão os brasileiros incapazes de empreender o crescimento deste setor? É este o legado que o governo Lula, eleito com a promessa de não privatizar o patrimônio do povo brasileiro, irá deixar?
A atuação da Anac contraria a legislação brasileira e precisa ser investigada, assim como essas medidas nefastas devem ser freadas antes que tudo que conquistamos seja entregue às multinacionais estrangeiras, tornando nossa população refém dos interesses privados e políticos internacionais.
A continuidade das políticas da Anac – liberação das tarifas para os voos internacionais, substituição da concessão por autorização de operação, ampliação do capital estrangeiro nas empresas de aviação com atuação no país, redução do número mínimo de comissários(as) nas aeronaves – sem um amplo debate e a maturação necessária a temas de tamanho porte são um atentado a nação.
Privatização da Infraero
A privatização dos aeroportos administrados pela Infraero, proposta pela Anac, ou mesmo a transformação da empresa estatal em empresa de capital aberto, sem transparência e diálogo com os trabalhadores aeroportuários, o Congresso, o povo brasileiro, fere a dignidade de todos. Os argumentos em defesa dessa tese tem viés ideológico neoliberal, não se sustentam tecnicamente e manipulam dados para esconder fatos.
A proposta da Anac irá inviabilizar a manutenção dos aeroportos regionais, ou de estados com menor frequência de voos, prejudicando a integração nacional e o direito da população dessas regiões ao acesso ao transporte aéreo. Ela impede o cruzamento de recursos entre aeroportos lucrativos e deficitários, e não há interesse privado em manter aeroportos de menor fluxo.
Afora os prejuízos incontestáveis nas condições de segurança, que hoje são garantidas por uma administração centralizada. No mundo inteiro, o monopólio da administração de aeroportos, em cada país, é uma característica deste negócio, porque este mercado não comporta várias empresas (públicas ou privadas) administrando isoladamente unidades aeroportuárias.
Todavia, a diferença entre administração estatal ou privada é impactante. Nas mãos dos governos, o interesse social é respeitado, as tarifas são menores e a segurança é colocada acima do lucro. Nas mãos da iniciativa privada, há tarifas muito maiores, prejuízos para os usuários e outros tantos problemas que acabam levando países, como a Argentina, a rever a privatização da administração dos seus aeroportos.
A questão da eficiência da iniciativa privada, que é levantada como uma bandeira pelos defensores da privatização, precisa também ser questionada. A Infraero é a segunda maior empresa aeroportuária do mundo, respeitada internacionalmente por sua capacidade técnica. Qualquer problema de gestão que enfrente pode e deve ser corrigido pelo governo brasileiro, sem que seja necessário vendê-la, dividi-la, ou abrir o seu capital.
O que os trabalhadores defendem
Diante desses assuntos, que exigem e merecem um amplo e profundo debate, em razão de todas as suas implicações econômicas, sociais e políticas, os sindicatos cutistas – que representam os trabalhadores aeronautas, aeroviários e aeroportuários – solicitam à Vossa Excelência que encaminhe, junto aos setores do governo, uma revisão profunda das medidas da Anac, visando a manutenção da rede de aeroportos da Infraero e o cumprimento da legislação de nosso país.
Para os trabalhadores da aviação civil, ao contrário do que acena a Anac em suas ações, o setor aéreo brasileiro é estratégico, em inúmeros aspectos, e não pode ficar a mercê do interesse privado, ou internacional.
A permanência da presidente da Agência, em razão de todos os fatos aqui mencionados, deve ser questionada politicamente. Defendemos, inclusive, a renúncia, ou afastamento da Sra. Solange Vieira, e da direção da Anac. Além disso, ao analisarmos os passos tomados pela presidente da Agência, recomendamos uma investigação, pelo Ministério Público e Polícia Federal, das ações administrativas da mesma e de seus diretores, caracterizadas pelo descaso com a fiscalização e excesso no encaminhamento de medidas absolutamente políticas, de escopo exclusivo do governo, através do CONAC, e que vão de encontro às determinações expressas na PNAC.
O Brasil não precisa abrir mão da gestão de seus aeroportos, ou perder a bandeira em suas companhias, para sediar a Copa do Mundo. Há recursos suficientes, tanto da Infraero quanto do PAC para dar conta das obras necessárias ao evento. Mas a Copa tem servido de máscara para outras intenções, mais particulares, que não interessam ao povo.
O país que inventou o avião não pode perder sua bandeira, nem suas asas.
Celso André Klafke
Presidente da Fentac/CUT
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Entidades filiadas:
Sindicato Nacional dos Aeronautas
Sindicato Nacional dos Aeroviários
Sindicato Nacional dos Aeroportuários
Sindicato dos Aeroviários de Guarulhos
Sindicato dos Aeroviários de Pernambuco
Sindicato dos Aeroviários de Porto Alegre
Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil – Fentac/CUT
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